segunda-feira, 28 de março de 2011

Mais tarde ou mais cedo eu tinha que meter o bedelho...

Mesmo com algo que não fui eu a escrever.
Mas eis que este senhor aparece e coloca em palavras aquilo que por mim foi dito (vá mais ou menos, pensado foi!) a n pessoas. A pessoas que dizem à rasca, a pessoas que já estiveram à rasca, a pessoas que não sabem o que estar à rasca.



Mia Couto - Geração à Rasca - A Nossa Culpa

"Um dia, isto tinha de acontecer.
Existe uma geração à rasca?
Existe mais do que uma! Certamente!


Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos numa
abastança caprichosa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes as agruras da vida.


Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com frustrações.


A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e também estão) à rasca são os que mais tiveram tudo.


Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus jovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos.


Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, a minha geração e as seguintes (actualmente entre os 30 e os 50 anos) vingaram-se das dificuldades em que foram criadas, no antes ou no pós 1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor.


Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiram nos seus descendentes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles a geração mais qualificada de sempre (já lá vamos...), mas também lhes deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais de diversão, cartas de condução e 1º automóvel, depósitos de combustível cheios, dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando as expectativas de primeiro emprego saíram goradas, a família continuou presente, a garantir aos filhos cama, mesa e roupa lavada.


Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o melhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas vezes em substituição de princípios e de uma educação para a qual não havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do ordenado com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes.


Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego, ... A vaquinha emagreceu, feneceu, secou.


Foi então que os pais ficaram à rasca.


Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchem Pavilhões Atlânticos e festivais de música e bares e discotecas onde não se entra à borla nem se consome fiado.


Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuar a pagar restaurante aos filhos, num país onde uma festa de aniversário de adolescente que se preza é no restaurante e vedada a pais.


São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água e da luz e do resto, e que abdicam dos seus pequenos prazeres para que os filhos não prescindam da internet de banda larga a alta velocidade, nem dos qualquercoisaphones ou pads, sempre de última geração.


São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a ter de dizer "não". É um "não" que nunca ensinaram os filhos a ouvir, e que por isso eles não suportam, nem compreendem, porque eles têm direitos, porque eles têm necessidades, porque eles têm expectativas, lhes disseram que eles são muito bons e eles querem, e querem, querem o que já ninguém lhes pode dar!


A sociedade colhe assim hoje os frutos do que semeou durante pelo menos duas décadas.


Eis agora uma geração de pais impotentes e frustrados.
Eis agora uma geração jovem altamente qualificada, que andou muito por escolas e universidades mas que estudou pouco e que aprendeu e sabe na proporção do que estudou. Uma geração que colecciona diplomas com que o país lhes alimenta o ego insuflado, mas que são uma ilusão, pois correspondem a pouco conhecimento teórico e a duvidosa capacidade operacional.


Eis uma geração que vai a toda a parte, mas que não sabe estar em sítio nenhum. Uma geração que tem acesso a informação sem que isso signifique que é informada; uma geração dotada de trôpegas
competências de leitura e interpretação da realidade em que se insere.


Eis uma geração habituada a comunicar por abreviaturas e frustrada por não poder abreviar do mesmo modo o caminho para o sucesso. Uma geração que deseja saltar as etapas da ascensão social à mesma velocidade que queimou etapas de crescimento. Uma geração que distingue mal a diferença entre emprego e trabalho, ambicionando mais aquele do que este, num tempo em que nem um nem outro abundam.


Eis uma geração que, de repente, se apercebeu que não manda no mundo como mandou nos pais e que agora quer ditar regras à sociedade como as foi ditando à escola, alarvemente e sem maneiras.


Eis uma geração tão habituada ao muito e ao supérfluo que o pouco não lhe chega e o acessório se lhe tornou indispensável.


Eis uma geração consumista, insaciável e completamente desorientada.


Eis uma geração preparadinha para ser arrastada, para servir de montada a quem é exímio na arte de cavalgar demagogicamente sobre o desespero alheio.


Há talento e cultura e capacidade e competência e solidariedade e inteligência nesta geração?
Claro que há. Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos!
Os jovens que detêm estas capacidades-características não encaixam no retrato colectivo, pouco se identificam com os seus contemporâneos, e nem são esses que se queixam assim (embora estejam à rasca, como todos nós).


Chego a ter a impressão de que, se alguns jovens mais inflamados pudessem, atirariam ao tapete os seus contemporâneos que trabalham bem, os que são empreendedores, os que conseguem bons resultados académicos, porque, que inveja!, que chatice!, são betinhos, cromos que só estorvam os outros (como se viu no último Prós e Contras) e, oh, injustiça!, já estão a ser capazes de abarbatar bons ordenados e a subir na vida.


E nós, os mais velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada dos nossos locais de trabalho, para deixarmos livres os invejados lugares a que alguns acham ter direito e que pelos vistos - e a acreditar no que ultimamente ouvimos de algumas almas - ocupamos injusta, imerecida e indevidamente?!!!


Novos e velhos, todos estamos à rasca.


Apesar do tom desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena destes jovens.
Tudo o que atrás escrevi serve apenas para demonstrar a minha firme convicção de que a culpa não é deles.
A culpa de tudo isto é nossa, que não soubemos formar nem educar, nem fazer melhor, mas é uma culpa que morre solteira, porque é de todos, e a sociedade não consegue, não quer, não pode assumi-la.


Curiosamente, não é desta culpa maior que os jovens agora nos acusam.
Haverá mais triste prova do nosso falhanço?

4 comentários:

  1. Incrível como tem de ser alguém que nasceu em África, continente que passou, passa e passará...constantemente "à rasca" para dizer que o problema está em nós - geração que acha que as coisas têm de acontecer, mas que têm de ser "os outros" a fazerem por eles!
    A culpa é mas é dos outros!!!

    ...não creio que tenha sido um falhanço este tipo de educação. é mais uma página da história da humanidade, onde temos a possibilidade de perceber se queremos criar uma próxima geração que luta pelo que quer, ou se querem criar a próxima geração de velhos-do-restelo.

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  2. Em primeiro lugar, o facto de Mia Couto ter nascido, vivido ou não em Áfica nada tem que ver com o facto. Porque os pais são portugueses e de certeza que nasceu e foi criado com os costumes portugueses. Em segundo, esse facto exacto de não ser 100% presente em Portugal pode contribuir em muito para que a análise feita seja bem mais imparcial do que alguém que é enraizadamente português.
    Em terceiro, comparar o "à Rasca" de África com o "à rasca" Português é quase o mesmo que dizer que comer carne de vaca é o mesmo que passar a vida a comer farinha de mandioca ou arroz. África está como está não porque as pessoas não se mexem, mas porque não lhes dão sequer as menores condições para o fazer. Exemplo disso é o vídeo que porei a seguir no blog. Em que uma senhora diz, e muito bem, que basta dar as ferramentas certas àquelas pessoas e conseguirão certamente transformar o continente naquilo que ele tem potencial para ser.
    Portugal, e "nós jovens à rasca" temos uma loja de bricologe à nossa disposição e com ela só sabemos mesmo fazer cartazes...

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  3. Tipo, UAU! Desde o Mia Couto a ti! "Temos uma loja de bricolage à nossa disposição e com ela só sabemos mesmo fazer cartazes" é frase digna de citação!
    Eis uma das análises mais objectivas ao problema. Também adorei ouvir o Marcelo Rebelo de Sousa no fim-de-semana da grande manifestação.
    Culpado quem nos criou, culpado quem cresceu desorientado. Sinceramente, acho que estamos excactamente onde devemos estar. Cada um tem que lidar com as consequências das suas acções. E não me vou dar ao trabalho de citar Darwin.
    Esperemos que com isto, o futuro aprenda com a História - Aprender a ensinar o que é esforço e trabalho.

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  4. Tens um selinho para ti no meu blog!! =)
    Beijinhos!

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